Do tijolo à emoção: a nova multipropriedade

A multipropriedade está deixando para trás o modelo rígido de uso fixo para abraçar soluções mais flexíveis, personalizadas e voltadas à experiência. Impulsionado por nômades digitais e novas gerações, o setor aposta em clubes de férias, portfólios de destinos e vivências temáticas. O Hotelier News conversou com especialistas para entender essa transformação do mercado, que deve fechar 2025 com VGV (Valor Geral de Vendas) acumulado de R$ 93 bilhões.

Em entrevista à nossa reportagem, João Cazeiro, diretor de Desenvolvimento de Novos Negócios da Livá Hotéis & Resorts, braço de multipropriedade da Atrio Hotel Management, diz que, atualmente, a experiência está voltada para algo que o cliente busca e não tem fácil acesso. "É um mercado de luxo, de certa forma, mas bastante democrático, que abrange todas as classes. E todos esses grupos de pessoas buscam experiências únicas", explica o executivo.

De acordo com Cazeiro, caracterizar e remodelar a proposta da multipropriedade é importante. A partir disso, surgem produtos com roupagens específicas, clubes fechados para dar maior sensação de exclusividade ao cliente, entre outros pontos. No pós-pandemia, diz, os clientes buscaram mais conhecimento e hoje estão muito mais informados sobre como funciona o segmento.

"Hoje temos clientes que estão em três ou quatro produtos da Livá. Nos últimos anos, a experiência se tornou fator crucial para a decisão de compra do consumidor, logo, é necessário que as empresas adotem uma abordagem mais flexível, fazendo com que o cliente se sinta diferenciado, especial. Isso transforma a estada dele em algo único e, principalmente, fideliza", complementa.

Cazeiro acrescenta que os produtos de multipropriedade são aspiracionais, ou seja, as empresas estão vendendo algo que o cliente deseja, e não o que já tem.

"Basicamente, sabemos que a estratégia deu certo quando vemos o sorriso no rosto do cliente, e é com isso que temos que trabalhar, saindo da abordagem tradicional, engessada.

Produtos sem alma não vão mais conseguir vender. E, se venderem, trarão problemas com a manutenção quando abrirem. É preciso combinar hospedagem, lifestyle e propósito", explica o executivo da Livá.

Atualmente, a empresa tem produtos que se tornaram cases no mercado de multipropriedade, como o Wanderlust Experience Hotel, em Campos do Jordão (SP), o Brava Mundo, em Itajaí (SC), e o Poehma, em Gramado (RS), todos com propostas que fogem do habitual, com o objetivo de elevar a experiência do multiproprietário.

Evolução

Caio Calfat, Fernanda Nogueira e Viviane Bianchini, da Caio Calfat Real Estate Consulting, também conversaram com a reportagem do Hotelier News, fazendo considerações importantes sobre o novo cenário da multipropriedade.

Para Calfat, o segmento elevou sua abrangência ao longo dos anos. O executivo explica que a multipropriedade surgiu como um produto único, de classe média, para mais jovens com filhos pequenos. Sendo assim, os primeiros empreendimentos foram instalados junto a parques temáticos, a fim de explorar esse público.

"Com o passar dos anos, e com a aprovação da Lei de Multipropriedade, todo o mercado passou a olhar para este tipo de produto. Além disso, o perfil do comprador mudou e se expandiu", explica Calfat.

Complementando o raciocínio, Fernanda diz que, com a expansão do mercado, o segmento de multipropriedade precisou entender que era necessário mudar a comunicação com o público, pois o foco agora não é só vender comodidade, mas também as experiências que serão vividas nos empreendimentos. "O aspiracional vem sendo cada vez mais trabalhado na venda, e isso é um dos principais fatores que permeiam essa evolução do setor", endossa.

Já Viviane reforça que a mudança no mercado trouxe diversos aprendizados para incorporadores e consumidores. Afinal, o cliente entendeu como os produtos funcionam e colocou a experiência como prioridade. Enquanto isso, para acompanhar essa transformação de mentalidade, as empresas remodelam seu modelo de negócio e a proposta de seus empreendimentos.

"Esse preparo e cuidado vão muito além do momento da venda. As incorporadoras entenderam que não se trata de um produto imobiliário, mas também de experiência e expectativa. É ter acesso a um produto com uma estrutura, experiência e atrativos diferenciados. O mercado aprendeu esse legado e vai se aperfeiçoando. A multipropriedade é um setor inteligente e deixou de ser engessado, assumindo um caráter bem mais flexível e personalizável", analisa.

Retomando o raciocínio, Calfat salienta que, hoje, a multipropriedade é um segmento com produtos para todos os perfis de público, em destinos diversos, e empreendimentos que se adaptam à necessidade do consumidor. "A cada ano, percebemos novidades no setor turístico no Brasil, com novos destinos, com propostas que unem experiência e lifestyle.

Sempre que surgir um novo hype, uma nova fatia de mercado, é certeza de que vai haver uma multipropriedade para atender aquele público", garante.

Fernanda endossa a fala do executivo e diz que o conceito de tempo compartilhado mudou, desde a sala de vendas. Segundo ela, a forma de comprar não é mais a mesma, e hoje se anseia muito mais por novidades.

"Isso se reflete no comportamento do cliente na escolha de produtos, porque ele vai sempre buscar um plus diferente do que já viu. É uma leitura clara quando olhamos para os produtos. O modelo inicial não existe mais", conclui.

Flexibilidade como diferencial

Fabiana Leite, diretora de Novos Negócios da RCI na América do Sul, diz à reportagem do Hotelier News que a multipropriedade deixou de ser apenas uma forma inteligente de ter um imóvel. Atualmente, segundo a executiva, o segmento se caracteriza muito mais pela busca por um estilo de vida com mais propósito.

"O mínimo que as pessoas esperam é ter boas experiências, seja na propriedade em que está ou por meio do intercâmbio que vai fazer. Os clientes querem mais do que o descanso, e buscam uma conexão autêntica com o destino que estão escolhendo. A multipropriedade permite isso. Nos empreendimentos do portfólio da RCI, temos uma carta de comentários, avaliando pontos importantíssimos: hospitalidade, check-in e check-out, manutenção do hotel e do quarto, entre outros. Assim, conseguimos entender o sentimento em relação à experiência, e manter os produtos atrativos", explica.

Para ela, entregar um bom serviço não é mais suficiente para fidelizar o cliente. É preciso proporcionar uma sensação de pertencimento e emocionar por meio de uma proposta flexível. "Dentro da RCI, hoje, podemos flexibilizar a semana, dividindo em quantidade de noites. Ações como essa são importantes para que o cliente veja que estamos buscando soluções personalizadas para garantir boas experiências", completa.

Dentro deste cenário, avalia Fabiana, os empreendimentos temáticos são uma tendência que está ganhando força, pois tocam no lado emocional do cliente. "São vários lifestyles: amantes de futebol, de vinhos, entre outros. Essa segmentação é o que traz a sensação de pertencimento. É isso que fideliza", afirma.

Modelos em expansão

Marcos Vileski, diretor Comercial da WAM Experience, diz que os modelos em maior ascensão na multipropriedade são justamente aqueles que privilegiam diversidade e flexibilidade. "Dentro dessa proposta, temos o WPass, que permite que nossos clientes acessem um portfólio variado de destinos e descontos especiais em mais de 500 marcas", pontua.

"Os empreendimentos temáticos, direcionados a públicos específicos, também são uma tendência, além de parcerias estratégicas com redes internacionais de intercâmbio.

Também vemos com otimismo o crescimento de multipropriedades ancoradas em conceitos de wellness, gastronomia e experiências exclusivas, que vão além da simples hospedagem, proporcionando valor agregado e conexão emocional com os clientes", comenta.

O executivo acrescenta que a flexibilidade e personalização formam o alicerce principal da nova multipropriedade. O consumidor atual, neste cenário, é influenciado pelas gerações mais jovens e pelos nômades digitais, valorizando a liberdade de escolha e a exclusividade, sem amarras burocráticas.

Assim, explica Vileski, a tendência é de que o segmento se consolide como parte de um lifestyle contemporâneo, em que o acesso vale mais do que a posse, com as experiências superando o conceito tradicional de propriedade compartilhada.

"Além disso, na WAM, o conceito de luxo descomplicado' resume bem o que queremos entregar: experiências de alto padrão, com conforto, qualidade e atendimento diferenciado, mas sem complexidade ou excessos. Entendemos que o verdadeiro luxo, hoje, está na conveniência. Nossos produtos e serviços prestados são pensados para que o cliente aproveite o melhor da vida, com todo o suporte necessário e zero burocracia", pontua.

Busca por propósito

Alejandro Moreno, CEO da Trul Hotéis, diz que, em mercados nos quais o conceito de multipropriedade está mais amadurecido, como Estados Unidos e México, existem diferentes variações para este tipo de produto: destination clubs, residence clubs, entre outros. No entanto, todos têm como finalidade encontrar o que motiva o cliente a viajar e oferecer comodidade para estilos de vida diferentes.

"Assim, desenvolvemos soluções com uso flexível, programas de intercâmbio nacional e internacional, e uma jornada de atendimento que prioriza a fluidez, a escolha e o encantamento. Nossos empreendimentos refletem a tendência do 'luxo descomplicado', da hospitalidade inteligente e da operação asset-light, baseada em eficiência e curadoria de experiências", destaca.

O executivo reforça que a Trul Hotéis acredita que a multipropriedade é, agora, uma plataforma de acesso. "Não se trata mais de onde você vai ficar, mas do que você vai viver, e com quem. Em um mundo onde mobilidade, exclusividade e autenticidade ditam as decisões de compra, é essencial entregar mais do que estada: é preciso entregar sentido.

Essa é a essência dos projetos que conduzimos. Esse é o nosso compromisso com o futuro da hospitalidade no Brasil", endossa.

Na empresa, acrescenta Moreno, o objetivo é inovar com um portfólio multimarcas, conectado a destinos que transcendem o turismo tradicional. "Oferecemos experiências ligadas ao enoturismo, ao bem-estar, ao turismo sensorial, à conexão com parques temáticos - destinos onde o lazer encontra propósito e o tempo compartilhado se transforma em memória afetiva", finaliza.

Fonte: Hotelier News